Condômino Antissocial
Antônio Artêncio Filho
Por Antônio Artêncio Filho
O debate versa sobre a possibilidade de exclusão de
condômino por reiterado comportamento antissocial; há extenso pensamento sobre
o tema, pois que a pretensão é polêmica e causa repercussão acentuada, em vista
das interpretações da matéria, centrando-se no embate entre o Direito de
propriedade e os direitos dos demais condôminos e moradores.
Como exemplo, cito que em um Condomínio, inúmeras
reclamações foram efetuadas contra um determinado condômino, por funcionários
do condomínio e do indigitado condômino, como também de vários outros
condôminos, e registradas no livro de reclamações, sendo ainda lavrados
diversos boletins de ocorrências.
Noticiou o livro interno de reclamações, diversos atos
praticados de forma reiterada e contínua, de autoria do apontado condômino
todos configurando crimes segundo tipificação da lei penal (vale dizer que o
que se pretende é fixar a ideia da seriedade e natureza dos atos que deram
sustentação ao ato inibitório).
Em vista de denúncia das vítimas, alicerçadas por depoimentos
testemunhais e provas, ocorreu a prisão do condômino que depois foi solto para
que respondesse aos processos em liberdade.
Todavia, já no momento da prisão havia sido consubstanciada
a conduta antissocial de forma reiterada e contínua, praticado pelo condômino
infrator, restando ao Condomínio a tomada das medidas necessárias e
imperiosas.
Assim, o Condomínio notificou o condômino infrator,
cientificando-lhe para que se abstivesse de realizar as práticas de atos à
dignidade dos seus pares, providência não acatada.
A vida condominial, tendo-se em vista que os atos praticados
configuram ao menos em tese, crimes praticados pelo condômino infrator, geraram
na coletividade condominial, pânico, insegurança e repulsa.
Havia previsão na Convenção e no Regimento Interno obrigando
aos condôminos a “dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e
não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos
possuidores, ou aos bons costumes”.
O Condomínio impetrou pedido judicial objetivando a exclusão do condômino antissocial, a fim de resguardar as garantias constitucionais individuais da coletividade condominial, até porque o ordenamento jurídico não proíbe tal requerimento (o pedido é juridicamente possível).
Na ação judicial, houve o pedido de restringir o direito de
uso pelo condômino antissocial sobre seu bem imóvel em contraponto ao direito
de propriedade (a propriedade é direito real assegurado na CRFB/Constituição
Federal), que confere ao seu titular o direito de usar, gozar, dispor, fruir,
reaver, nos termos do Artigo 1.228, CCB (Código Civil Brasileiro):
“O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da
coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua
ou detenha”.
O direito de propriedade vigorava no Direito Civil anterior
como caráter absoluto, inatacável. No novo Código Civil (de janeiro de 2003), o
direito de propriedade sofreu limitações em razão da lei, de princípios e da
própria vontade do proprietário, e, ainda mais importante, pela função social
que veio justamente a limitá-lo (deve ser exercitado de acordo com a finalidade
econômica e social do bem).
O direito de vizinhança (Artigo 1.277 CCB), também impõe
limites ao exercício do direito de propriedade, sendo aplicável também o
Enunciado 508 da V Jornada de Direito Civil (confira-se abaixo), porque a
imposição de sanção pecuniária pelo Condomínio ao condômino antissocial
revelou-se totalmente inócua:
“Verificando-se que a sanção pecuniária mostrou-se ineficaz,
a garantia fundamental da função social da propriedade (Art. 5º., XXIII, da
CRFB e 1.228, § 1º., do CCB) e a vedação ao abuso do direito (Art. 187 e 1.228,
§ 2º, do CC) justificam a exclusão do condômino antissocial, desde que a
ulterior assembleia prevista na parte final do parágrafo único do Art. 1.337 do
Código Civil delibere a propositura de ação judicial com esse fim, asseguradas
todas as garantias inerentes ao devido processo legal.”
Também incidem a garantia fundamental da função social da
propriedade (Artigos 5º., XXIII, CRFB e 1.228, §1º, CCB) e a vedação ao abuso
do direito (Artigos 187 e 1.228, §2º, CCB), que juntas autorizam a exclusão do
condômino antissocial.
Existe silêncio da lei quanto à possibilidade do condômino
antissocial ser excluído de forma extrajudicial do Condomínio (cabendo
expressar que não há vedação no ordenamento jurídico), mas existem expressas
disposições administrativas que admitem a imposição.
O ordenamento pátrio, como dito acima, permite a pretensão judicial da medida que visa o ato expulsório para restringir o direito de uso da propriedade, se forem corretamente tomadas às formalidades legais, esgotando-se a estrada administrativa.
A exclusão do condômino antissocial não ofende o direito de
propriedade, apenas restringe o direito de moradia naquele imóvel, cabendo
dizer que esse imóvel permanece sob a mesma titularidade do condômino infrator,
que pode dela dispor, ou seja, vender, alugar, doar, ceder gratuitamente,
exercitando plenamente o artigo 1.228 CCB.
Pesando-se na balança a garantia fundamental da função
social da propriedade e o direito da propriedade, chega-se à proibição apenas
de usar ou de habitar o bem, evidenciando a proteção da coletividade em
detrimento da individualidade, abrigando o princípio da função social da
propriedade em contraponto ao direito da propriedade.
Em nossa CRFB consta que a propriedade atenderá sua função
social e que a vida em condomínio significa conviver em uma pequena sociedade,
sendo imperioso que o interesse coletivo, o bem estar, o sossego, a segurança
dos condôminos, se sobreponha ante a existência da conduta nociva de
determinado condômino (antissocial), que abusa do seu direito e conturba vida
condominial.
Também se menciona que não existe outra medida, seja extra
ou judicial que solucione satisfatoriamente a questão, ainda mais no passo em
que imposições pecuniárias não resolvem o problema, ante a reiteração contínua
dos atos infracionais e, em tese, criminosos.
Somam-se as razões expendidas ao sofrimento que a conduta
nociva impõe aos demais condôminos pelo mau uso (compreenda-se escândalos,
imoralidades, barulhos, crimes, etc.), devendo ser cultuado o respeito ao ser
humano, inclusive sobre o direito de propriedade, desalojando o condômino antissocial
de seu próprio bem imóvel.
Alguns doutrinadores brasileiros, como largo peso em seus
pareceres, teses e opiniões, acolhem a possibilidade, valendo citar João
Batista Lopes:
“De lege ferenda, seria cogitável a inserção de disposições
ainda mais rigorosas, a exemplo do que ocorre em outros países, pondo os
condôminos a salvo da presença indesejável de indivíduos nocivos à
tranquilidade geral.
Enquanto isso não ocorrer, caberá à jurisprudência construir
em cada caso, solução que melhor se ajuste aos princípios gerais de direito”
(Condomínio, São Paulo, Rev. Dos Tribunais, 9ª ed., 2006, pág. 158).
Por sua vez, Moniz de Aragão:
“Sendo a ação o direito público subjetivo de obter a
prestação jurisdicional, o essencial é que o ordenamento jurídico não contenha
uma proibição ao seu exercício; ai, sim, faltará a possibilidade jurídica”;
“Não havendo veto há possibilidade jurídica; se houver proibição legal não há
possibilidade jurídica” (Com. ao Cód. De Processo Civil, Ed. Forense, II Vol.
2ª ed. pág. 508).
Silvio de Salvo Venosa conclui: “Nossa conclusão propende
para o sentido de que a permanência abusiva ou potencialmente perigosa de qualquer
pessoa no condomínio deve possibilitar sua exclusão mediante decisão da
assembleia, com direito de defesa assegurado, submetendo-se a questão ao
Judiciário. Entender-se diferentemente na atualidade é fechar os olhos à
realidade e desatender ao sentido social dado à propriedade pela própria
Constituição. A decisão de proibição não atinge todo o direito de propriedade
do condômino em questão, com se poderia objetar: ela apenas o limita tolhendo o
seu direito de habitar e usar da coisa em prol de toda uma coletividade.
(Direitos Reais, Vol. V, 12ª, 2012, pág. 366)
Segundo o ex-Ministro Cezar Peluso, na coordenação do Código
Civil Comentado:
“Cabe, assim, a medida para retirar o condômino nocivo do
edifício, para apreender objetos perigosos, que causem ruídos, ameacem a saúde
ou o sossego dos demais condôminos ou a interdição de determinadas atividades
ilícitas. Tais medidas certamente farão cessar o ilícito, na maioria dos
casos,
Note-se que em tais casos perde o condômino o direito de
usar a unidade, permanecendo, todavia, com a posse indireta e a prerrogativa de
fruição, entregando-a à exploração lícita de terceiros.” (ob. cit. 2007, Ed.
Manole, 1204)
Por fim, também é de se constar que o apartamento condominial utilizado pelo condômino antissocial, foi o palco de total desvio de finalidade, posto que não cumpriu com sua função social, prevista e exigida pela CRFB, já que se prestou de local servia de atos abomináveis (prática de ilícitos criminais, civis e trabalhistas), o que certamente transcende a limitação dos direitos individuais.
Advogado; conta com a experiência de 30 anos de exercício nas
áreas contenciosas e consultivas do Direito; Especialista em Direito
Imobiliário e Condominial; Cursou pós-graduação em Processo Civil e Direito
Civil (com ênfase em Contratos); Certificado como Especialista em Administração
de Condomínios pela Universidade Secovi/SP; Síndico Profissional com Diploma de
Reconhecimento Público pela Câmara Municipal de São Paulo; Membro efetivo da
Coordenadoria de Direito Condominial da OAB/SP (2018, 2019, 2020 e 2021);
Escritor e Palestrante.
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